Três meses sem Anderson.
Três meses chorando de ódio.
Sacrifiquei meu amor por nada.
Jurandir, bem tranquilo, segue sua vida de paraplégico
viciado em sexo virtual. Não me conformo com sua traição Jurandir, escreveu
Leonora no espelho do banheiro no dia seguinte ao flagra obsceno do marido se
masturbando na frente do computador. Imaginava, até ali, ser uma tortura a vida
dele. Qual o quê. Ria nas minhas costas, pensava com mágoa. Eu traí Jurandir, é
fato. Mas nunca faltei com o respeito. Nunca levei o Anderson pra dentro de casa.
Jurandir me traía no computador dentro do nosso quarto! Não perdoo.
Anderson era um bon vivant, ela sabia. Sumiu. Uma pena
porque afinal tinham encontrado uma fórmula simples de ser feliz... não fosse
seu sentimento de culpa em “supostamente” trair o marido inválido. Burra!
Lembrou do dia do acidente. Fora há 15 anos. Era Ano-Novo.
Não existia Lei seca. Todo mundo bebia e dirigia. Jurandir, além disso, se
vangloriava das suas proezas de bêbado. Você viu como o carro estava bem
estacionado na garagem? Nem sei como fiz aquilo. Não me lembro de nada...e dava
risada.
Naquela noite, na famosa virada do ano 2000, quando todo
mundo pensava que o mundo ia acabar...e de certa forma acabou. Foi um fim de
casamento aparentemente bem-sucedido. Não fosse por um aborto que ela cometera
sem ele saber – não quero filhos, isso atrapalharia meus planos de morar bem
longe daqui; e quem disse que vamos morar longe daqui? Eu quero filhos, sim –
até que eles formavam um belo casal.
Naquela noite, na famosa virada do ano 2000, todo mundo
encheu a cara com espumante de cidra ou uísque com Coca-Cola – vontade de
vomitar só de lembrar.
Saímos do salão de festas do clube de campo amanhecendo.
Jurandir carregava o copo. Mais um gole, só mais um. Eu também estava bêbada.
Todo mundo estava. Menos o cavalo na estrada. Ele fazia um quatro bem na nossa
frente quando Jurandir atravessou o para-brisa. Só acordei no dia seguinte com
uma cicatriz na testa. Jurandir na UTI uma semana. Eu te disse pra colocar o cinto
Jurandir. Não precisa, é pertinho. A essa hora não tem trânsito. Não tinha. Só
um cavalo sóbrio. Mas ele morreu. O dono sacrificou.
Jurandir também foi sacrificado. Ficou sem o movimento das
pernas. Ficou preso na cadeira de rodas. Os primeiros cinco anos dizia que nada
se mexia da cintura pra baixo. Nada você entende? Gritava quando Leonora
tentava fazer um carinho. Ficou um homem amargo no começo, apático depois.
Desisti.
Conheci Anderson. Jurandir, a internet.
O telefone toca. Leonora olha feliz para a foto que aparece
no celular. Atende. Uma voz grita enraivecida: sua velha tarada. Seu amante
esqueceu o celular em casa e eu vou te matar!
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