sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Nunca esqueça o celular em casa

Três meses sem Anderson.
Três meses chorando de ódio.
Sacrifiquei meu amor por nada.
Jurandir, bem tranquilo, segue sua vida de paraplégico viciado em sexo virtual. Não me conformo com sua traição Jurandir, escreveu Leonora no espelho do banheiro no dia seguinte ao flagra obsceno do marido se masturbando na frente do computador. Imaginava, até ali, ser uma tortura a vida dele. Qual o quê. Ria nas minhas costas, pensava com mágoa. Eu traí Jurandir, é fato. Mas nunca faltei com o respeito. Nunca levei o Anderson pra dentro de casa. Jurandir me traía no computador dentro do nosso quarto! Não perdoo.
Anderson era um bon vivant, ela sabia. Sumiu. Uma pena porque afinal tinham encontrado uma fórmula simples de ser feliz... não fosse seu sentimento de culpa em “supostamente” trair o marido inválido. Burra!
Lembrou do dia do acidente. Fora há 15 anos. Era Ano-Novo. Não existia Lei seca. Todo mundo bebia e dirigia. Jurandir, além disso, se vangloriava das suas proezas de bêbado. Você viu como o carro estava bem estacionado na garagem? Nem sei como fiz aquilo. Não me lembro de nada...e dava risada.
Naquela noite, na famosa virada do ano 2000, quando todo mundo pensava que o mundo ia acabar...e de certa forma acabou. Foi um fim de casamento aparentemente bem-sucedido. Não fosse por um aborto que ela cometera sem ele saber – não quero filhos, isso atrapalharia meus planos de morar bem longe daqui; e quem disse que vamos morar longe daqui? Eu quero filhos, sim – até que eles formavam um belo casal.
Naquela noite, na famosa virada do ano 2000, todo mundo encheu a cara com espumante de cidra ou uísque com Coca-Cola – vontade de vomitar só de lembrar.
Saímos do salão de festas do clube de campo amanhecendo. Jurandir carregava o copo. Mais um gole, só mais um. Eu também estava bêbada. Todo mundo estava. Menos o cavalo na estrada. Ele fazia um quatro bem na nossa frente quando Jurandir atravessou o para-brisa. Só acordei no dia seguinte com uma cicatriz na testa. Jurandir na UTI uma semana. Eu te disse pra colocar o cinto Jurandir. Não precisa, é pertinho. A essa hora não tem trânsito. Não tinha. Só um cavalo sóbrio. Mas ele morreu. O dono sacrificou.
Jurandir também foi sacrificado. Ficou sem o movimento das pernas. Ficou preso na cadeira de rodas. Os primeiros cinco anos dizia que nada se mexia da cintura pra baixo. Nada você entende? Gritava quando Leonora tentava fazer um carinho. Ficou um homem amargo no começo, apático depois. Desisti.
Conheci Anderson. Jurandir, a internet.

O telefone toca. Leonora olha feliz para a foto que aparece no celular. Atende. Uma voz grita enraivecida: sua velha tarada. Seu amante esqueceu o celular em casa e eu vou te matar!

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