sexta-feira, 25 de março de 2016

Enrugada pelo ódio

Era uma raiva inominável.
Uma raiva gigante, mas Arlete só percebeu isso durante uma de suas sessões de análise.
Odiava sua mãe com todas as forças de sua alma, agora, pequena, enrugada pelo ódio.
Descobrira que não era filha de seu pai. Por instantes ficou feliz. Não gostava mesmo de Álvaro, o ávaro, pão duro, egoísta, capaz de comprar um sonho na padaria pra comer sozinho e negar um Danoninho pras filhas no supermercado.
Mas a mãe mentir... Isso não estava no seu script. Fora pega se surpresa. Leu alguns papéis escondidos no fundo do armário. Adorava remexer nas coisas de sua mãe.
Quem procura acha. Viu uma certidão de nascimento diferente. Lá estava seu nome, o de sua mãe e no lugar do pai, um nome que nunca ouvira falar. Dos avós paternos também.
Mas ela tinha uma outra certidão. Com o nome de Álvaro, o ávaro, e dos avós que ela conhecia como sendo seus avós e por quem até nutria um certo amor.
Agora tinha dois pais. E nenhuma mãe. Não. Não podia admitir que sua mãe tivesse mentido durante tantos anos! Ela não seria mais sua mãe. Que tipo de mãe é uma mãe que mente, esconde, camufla?
A dela era. Será que quando crescesse ela também seria assim? Tinha tanto medo de ficar igual à mãe.
E quanto mais medo, mais parecida. Pra não correr riscos decidiu não ter filhos nunca.
Desse modo não teria de mentir. Nem de ser odiada.