sábado, 16 de janeiro de 2016

Abigail vem, Abigail vai





Lourival era um gentleman com as mulheres. Todas. Mãe, irmãs, tias, sobrinhas e amigas...ah! muitas amigas...o universo de Lourival girava em torno do feminino.

Lourival tinha uma lista infinita de amigas que sentia o dever de agradar. 

Ficava horas e horas nas redes sociais em intermináveis conversas com suas "amigas".

Ah...impossível não responder àquele sinal sonoro do celular, ou àquela janelinha de bate-papo no computador. Impossível não curtir e comentar um post...se via seu nome marcado então, lá ia Lourival responder. Sempre com um elogio sedutor. Ou uma frase de duplo sentido...

E se a amiga era uma mulher com histórico de doenças, problemas insolúveis, dificuldades financeiras ou quaisquer outras, Lourival já vestia sua fantasia de Super-Homem e lá ia ele salvar a donzela do dragão imaginário, brandindo sua espada de plástico.

Abigail, por sua vez, nossa segunda personagem, que fazia parte da lista interminável de "amigas do Lourival", fantasiava que pra dar conta de tamanha demanda, provavelmente, Lourival mantinha uma minuciosa planilha de atendimento. 

Pela manhã, bem cedinho, ele atenderia Antonia, Bruna ou Camila. Dez minutos para cada uma. Perto da hora do almoço, Dinorá, Elisa e Fernanda. Nesse horário um pouco menos. No café das três da tarde, mais algumas, Kátia, Luiza e Mariluce, um papo um pouco mais prolongado...e assim o tempo era preenchido e, até o final do dia Zélia igualmente teria sido contemplada com a sedução calculada de Lourival. 

No começo da relação (sim, ela jurava que eles tinham uma!), Abigail ocupava muitas horas do status "disponível" de Lourival. Eram conversas carinhosas, amorosas, às vezes quentes, picantes, bem temperadas com a carência afetiva de um e o narcisismo doentio do outro.

Um ano e meio depois gastavam boa parte do (pouco) tempo, que Lourival agora reservava para Abigail, discutindo a relação. O motivo, claro, era as "outras" que, então, recebiam muito mais atenção do Don Juan virtual do que Abigail, que virara uma espécie de...de quê? se perguntava Abigail? o que eu sou na sua vida? Afinal, por que fui entrar nessa? Perguntas que só seu analista poderia ajudá-la a decifrar no meio do deserto analítico onde Abigail mergulhava às terças à noite.

Lourival era casado. Que novidade! E como todo homem casado que deseja ter um harém, dizia a todas que seu casamento era de fachada. Não fazemos sexo há mais de 20 anos... Mas por que não se separa? resposta clássica: porque a santa esposa era doente, coitada, dependia dele pra tudo, como abandoná-la justo nessa situação?... enredo nada original, mas, pasmem queridos leitores, em pleno século 21 ainda existiam mulheres que engoliam tal argumento.  

Verdade ou não nem Abigail nem ninguém nunca saberá, óbviamente. 

Mas Abigail de cara pensou: se não faz sexo com a esposa faz com outra, é óbvio! Homem NENHUM nesse planeta fica abstinente tanto tempo. Bingo. Ele acabou confessando com aquele seu ar de inocente útil que, sim, tinha uma amante há milênios. Uma só? Claro! ele disse claramente indignado, afinal, por quem me toma? Uma amante e várias amadas, amáveis.

Lourival prometia que Abigail ocupava um lugarzinho especial em seu coração. Que ela o fazia se sentir como um adolescente...que ela despertava nele um desejo único, especial, avassalador.

E ela deu crédito a todo esse bla blá blá sem dar chance aos seus neurônios avaliarem o quanto esses clichês jurássicos camuflavam o discurso salamandra de Lourival.

Fato é que, para as mulheres, ser amada é fundamental. E os homens querem amar.  Quando uma mulher domina esse axioma lacaniano ela domina o mundo. E esse não era o caso de nossa segunda personagem. 

Afinal, o que queria Abigail? Ela amava amar? Ou amava seduzir? Ou amava ser seduzida? Ah! Freud... vem me salvar!!!

Abigail sofria. No fundo, ela sabia que os "eu te amo" que ele escrevia quase todos os dias pra ela talvez fossem só uma forma de mantê-la ali, naquele lugar. Um lugar que em alguns dias dava muito prazer (tem dias assim, dizia Lourival) e em outros causava muita dor (amanhã melhora, mentia).

Até que um dia Lourival falou que, afinal, outra "amiga" também ocupava um lugarzinho especial em seu coração. Mas que isso não a despejaria do órgão pulsador. Apenas teria de se conformar em dividir o coração dele com a "outra", assim como já dividia outro órgão com a amante oficial. 

Qual o problema? Dizia Abigail pra si mesma, a humanidade é assim, não consegue se contentar com relações monogâmicas, precisa se sentir amada por muitas pessoas ao mesmo tempo e, teoricamente - amar muitas pessoas ao mesmo tempo também. Édipo explica! 

Sim, por trás de seu divã, Freud dizia ser praticamente impossível haver amizade entre homens e mulheres (e nem entre mulheres e mulheres e homens e homens e suas variantes, ou seja, entre pessoas) que não fosse atravessada pelo desejo sexual. O que, convenhamos, a maioria das pessoas nega veementeMENTE. É um mecanismo de defesa pra se proteger das convenções impostas pelo sociedade capitalista homonormativa judaico-cristã repressora etc etc etc (isso não é Freud, é meu mesmo). Mas que o desejo está lá, oculto (e às vezes escancarado), está.

Abigail e Lourival seriam um caso típico das novas relações do século 21? Ou é só um velho enredo com capa da modernidade?

Abigail era só mais uma. Mas durante um tempo acreditou que fosse a única.

Coisas de mulheres apaixonadas. Acreditam em tudo (ou quase tudo), nesse estado insano da condição humana que as obriga a ter posições sub-humanas.

Não sabia o quanto (nem quantas) as outras sabiam (e aceitavam) essa mesma condição. 

Abigail sentia que os cordões do ciúme e da desconfiança lhe conduziriam para um triste desfecho lugar-comum. 

As desconfianças eram devidamente fundamentadas. Não eram coisas da sua cabeça doente - como ele gritava no seu ouvido durante mais uma cena.

Não havia chance para o casal. 

Assim como outras antes dela, Abigail um dia se despediu de Lourival que, por sua vez, disse que lamentava muito, mas que se essa era uma decisão dela, que por ele nada mudaria...mas se ela estava decidida a terminar...o que ele poderia fazer? 


Nada, meu caro.

Abigaís vêm, Abigaís vão.

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