Foto: Cartier Bresson |
Levava a pequena criança pela mão, atravessava o mar de carros
na avenida e voltava pra casa. Era assim. Não questionava.
Depois, bebia o chá, comia o bolo e sonhava: agora sou outra
mulher.
Feira, açougue, padaria. Fogão, máquina de lavar. Mas hoje...
hoje vai ser diferente. Porque agora sou outra mulher.
Coloca o vestido decotado, calça o sapato de domingo, passa
o batom e o perfume emprestados, e sai para encontrar seu amor.
No caminho, alimenta o sonho: agora sou uma outra mulher.
O coração acelerado, lugar-comum dos apaixonados, quase para
com as lembranças das cenas na sala de estar da casa da melhor amiga. Foram
beijos obscenos, pegação, esfrega-esfrega e a promessa de Jurandir: quero te
comer todinha. Me liga. Era sua primeira vez como a outra. Mas que importa? Agora
sou mesmo uma outra mulher.
E no local combinado, assenta o corpo na cadeira do café.
Pede um cappuccino e, suspira, enquanto deseja o marido da amiga, um gostoso
tão diferente daquele indigente, pai de sua filha.
Meia-hora, uma hora...o encontro naufragado. Os olhos choram
por dentro. O que eu fiz de errado? Agora sou a outra!
Travestida de indiferença, paga a conta pro garçom que,
acostumado, adivinha o desfecho do enredo. Mas, não, com ela, não. Afinal, agora
ela era uma outra mulher.
Depois, pega a criança pequena pela mão, atravessa de volta
o mar de carros e em casa faz sopa de letrinhas. Mistura lágrimas à salsinha,
coloca ração para o gato, água para o periquito, tira a roupa do varal...
enquanto pensa: agora sou outra mulher.
Bonito texto. Forte.
ResponderExcluirObrigada pela leitura Mauro!
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